Cairia bem um remake deste clássico do Kubrick

Remake”, pra quem não sabe, é um jargão utilizado na comunidade cinéfila para obras que fazem uma nova versão de um trabalho anterior consagrado por crítica e público, embora não seja regra, imortalizando-se no imaginário popular, mas que caíra em esquecimento do grande público com o passar de décadas ou por ter se tornado antiquado ao estilo de linguagem predominante na contemporaneidade.

Como se trata de longas que encantaram gerações e construíram uma “marca” atrativa comercialmente, muitos artistas, influenciados nos seus anos de formação por estes longas, se sentem compelidos a embarcar em projetos que resgatem os valores dos clássicos replicando o fascínio despertado na juventude no público mais jovem ao revigorar, em estética e linguagem, os conceitos primordiais que comportam, os atualizando para ser um produto palatável a geração mais nova ao mesmo tempo em que busca respeitar os fãs da primeira versão, e o próprio trabalho original, preservando a essência que o caracteriza; e muitos estúdios de cinema, necessitando de sucessos instantâneos para permanecerem no azul, veem quase como certo retorno garantido promover uma reedição de um ícone com uma base de admiradores, portanto, de potenciais consumidores, já instalados (provavelmente envelhecidos, que farão marketing espontâneo aos seus descendentes para persuadi-los a prestigiarem os mitos que os felicitaram quando mais jovens), independente se for bem ou não recebido pelo público e crítica, pois será rentável só por despertar curiosidade.

Nos anos dourados de Hollywood, havia espaço para engendrar um projeto de revitalização de uma excepcionalidade cinematográfica, em seu tempo, que comportasse o idealismo dos verdadeiros artistas devotos à missão de inspirar e elevar espíritos por meio de sua arte, fazendo jus a obra que se baseiam, e o objetivo puramente pecuniário das produtoras. Daí, veio à tona excelentes adaptações como: “Ben Hur”, “Scar Face” e “A Mosca”.



Contudo, com a cobiça dos estúdios crescendo proporcionalmente ao desmilinguir de talentos ou oportunidades essas novas versões passaram a ser vistas com desconfiança, pois ficara nítido o pragmatismo insensível dos realizadores que visavam somente o lucro fácil e imediato, indiferentes se apresentavam produção minimamente digna perante a grandeza do clássico refilmado. Nisto resultou-se projetos sofríveis como: “Footloose”, “Vingador do Futuro” e “Psicose”.

A frequência desses insucessos, desses “insultos”, estigmatizaram o termo “remake” como sinônimo de oportunismo rasteiro e uma afronta aos fãs das mitologias alvos de especulações na indústria cinematográfica quanto a possíveis atualizações. Sempre que levantado à hipótese de uma refilmagem surge críticas na qual condena a falta de originalidade, a covardia dos estúdios em investir em novas franquias sem se valer da popularidade dos clássicos do passado que, de tão especiais, resistem ao passar do tempo preservando a genialidade e, na opinião dos admiradores, por isso, não necessitam de refilmagens e merecem ficar onde estão: em paz, intocáveis, ostentando a gloriosa imortalidade.

É verdade que existem clássicos que resistem bem à passagem do tempo e continuam agradáveis de assistir mesmos nos dias que seguem, porém há outros que cairia bem ajustes de linguagem ou de aprumo técnico, incrementos estes com capacidade de engrandecer ainda mais a estória. Por isso, sem dúvida, é um grande desserviço que as produtoras fazem ao banalizar o uso do recurso do “remake”, que pode sim ser saudável a uma produção consagrada por mais cultuada que seja e prestar um grande serviço à indústria ao reeditar um sucesso já esquecido, desde que se tenha o comprometimento de levar o trabalho a sério e entregar nas mãos de pessoas talentosas dispostas a oferecer o seu melhor.



Um desses casos que acho que valeria a pena investir em uma nova versão é o clássico “Dr. Strangelove” ou “Dr. Fantástico”, no Brasil, do aclamado diretor Stanley Kubrick, pai de obras máximas como “Laranja mecânica, “2001: uma odisseia no Espaço”, “ O Iluminado”, “Nascido para matar” e tantos outros.

A trama de 1963 é uma sátira carregada de humor negro sobre o conflito bélico nuclear-armamentista em fase de hostilidade calculada: guerra fria.

Um neurótico/perturbado general anticomunista ferrenho, Jack. D. Ripper (interpretado por Sterling Hayden), crer que os soviéticos tramam uma conspiração megalômana para se assenhorar em definitivo do planeta contaminando a água potável do mundo inteiro. Exasperado com o que considera indolência, miopia por parte de seus superiores políticos em dar cabo dos comunistas e vencer a guerra decide adotar uma postura extrema e até suicida: um ataque não autorizado a União Soviética.

Para driblar os entraves burocráticos de pôr em prática uma ação de tamanho impacto ao contexto geopolítico mundial e com consequências dramáticas a população como um todo se vale de um adendo jurídico, sancionado após o estabelecimento da divisão conflituosa das nações hegemônicas, idealizado em caso de revés catastrófico: Se Washington fosse alvo de um ataque nuclear impossibilitando que as forças políticas, no caso o presidente e seus imediatos, articulassem qualquer iniciativa, as forças armadas estariam autorizadas em revidar o ataque na mesma moeda.




Ripper entra em contato com a tripulação aérea encarregada de lançar os mísseis nucleares, que circulava no espaço aéreo mais como medida de prevenção do que crente de que algum dia receberia comando para um ataque dessa magnitude (descrença hilariamente retratada por Kubrick, diga-se), e mente descaradamente: Os EUA foram vítimas de um ataque brutal, o protocolo de retaliação deveria ser aplicado imediatamente.

Ciente que o embuste logo seria descoberto, o general resolve cortas todos os meios de comunicação da base que está instalado, convencer os soldados que protegiam a base de que a pátria sofreu uma invasão comunista e de que os inimigos se utilizariam da artimanha de se vestirem como soldados americanos para tentar iludi-los e, assim, dominá-los com mais facilidade. Era preciso que lutassem, repelissem os invasores, resistissem até a última bala.

Estabelece-se 3 núcleos no filme: a do quartel isolado sob ataque com o capitão Mandrake (Petter Sellers) tentando convencer o coronel ensandecido a impedir o lançamento do míssil, a da tripulação do avião com a carga mortífera e do comitê de guerra que reúne o presidente e seu time de ministros e oficiais junto com o embaixador russo estudando formas de desbaratar o ataque ou minimizar os danos.

É notório que Kubrick decidiu trilhar o caminho da concisão e do tom mais contido ao invés do estilo épico e grandiloquente ao engajar-se a transformar o filme em uma comédia, normalmente mais curta em relação a outros gêneros, e provavelmente persuadido pelas limitações técnicas e orçamentárias da época (ter desembolsado U$$ 1 milhão só com o salário de Sellers, que encarnou 3 papéis no longa, deve ter contribuído para a escassez de recursos). Não que tenha sido uma má decisão ou que o resultado tenha sido insatisfatório. O filme é genial, divertido, inteligente, uma delícia para se assistir, mas dá margem para, usando-se da mesma premissa do enredo, construir uma narrativa que se debruce ou que se foque mais em outros aspectos que também pode resultar em uma experiência igualmente prazerosa.

O roteiro oferece ótimas possibilidades dramáticas, grandes momentos de tensão, de suspense ao estabelecer o conflito inusitado de norte-americanos lutando até a morte contra os companheiros de pátria.




No filme de 1963 a ação foi colocada totalmente de segundo plano, pelos motivos já citados, onde se vê a câmera enquadrando os soldados disparando contra a base em um take e, no seguinte, registrando os efeitos desse gesto já no interior da saleta onde se refugia o coronel rebelado. Ou seja, enquadramento, corta, efeitos especiais capengas estourando janelas e introduzindo fumaça no estúdio. Situação parecida com as tentativas de abater o avião com o material destrutivo.

Imagine o acréscimo interessante que os recursos visuais disponíveis hoje podem injetar nessa estória?

A ideia inicial de Kubrick era fazer um drama político sobre a guerra fria, o que não é nenhum absurdo com esse roteiro. Há crítica social ao retratar o lado doentio da perseguição aos comunistas, que resultou nos anos de Macartismo, há a iminência de um desastre planetário, disputas políticas, uma tripulação iludida fadada a tragédia, soldados iludidos matando companheiros de botina, a tentativa desesperada de um capitão de resgatar a lucidez de um louco.


Nas mãos de gente competente e com o investimento necessário, seria um remake que pagaria pra ver.




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