Meio sem muita ideia do que pegar pra ler em matéria de
quadrinhos, aventurei-me a pegar uma estória de um personagem que nunca fui fã,
aliás achava meio boboca e ainda acho, mas essa impressão vem arrefecendo nos
últimos tempos e o comics que peguei deu a sua contribuição nesse sentido.
"O que Aconteceu ao Homem de
Aço?". Sim, Superman. A sua indumentária ridícula, a moral irreproduzível,
os poderes exagerados, os vilões, em sua grande parte, patéticos, sua persona
humana medíocre, o cotiano banal, enfim, via várias aspectos que não me
agradavam - e continuam, repito, causando esse efeito. Mas prestando atenção no
herói em tempos mais recentes, vejo que a DC optou por um caminho que achei
interessante, sagaz: Se o personagem não rende boas estórias em matéria de
conflito, o tradicional, confrontação física, por ser indestrutível, e apelar
sempre para a pedrinha verde acaba chateando, que tal colocá-lo diante de
dilemas morais, existenciais, filosóficos? Isso acrescenta uma densidade que
não se espera, ou não se esperava, para um ícone já consagrado e voltado ao
público infanto-juvenil, além de abordar temas dificilmente sequer raspados
pela maioria das publicações do gênero. Talvez seja por isso que acabei
gostando do Homem de Aço (filme de Zack Snyder, o quadrinho já chego lá) porque
pela primeira vez na telona foi apresentado um Super como um estranho entre
nós. Parece uma obviedade, mas nas outras versões o fato de ele ser um alien
tinha pouca relevância na sociedade em que estava inserido, as pessoas o
adoravam, achavam tudo o que ele fazia um máximo, o viam realmente como um
super escoteiro, contundo ninguém se dispunha a pensar dois minutos sobre o que
sua presença significava, suas intenções, de onde vinha, se existiam outros de
sua espécie. Claro que o filme tem os seus problemas, todavia prefiro essa
abordagem - e torço para que a trajetória do herói continue nessa toada - do
que as anteriores.
O foco, entretanto, é o quadrinho citado,
escrito por Alan Moore. E confesso que foi pelo velho e bom britânico que
acabei arriscando. Não lembro de ter me decepcionado com alguma estória sua.
Diante de histórico tão favorável e opções menos atraentes, julguei ser uma
decisão sábia.
E foi.
Primeiro, pela singularidade da época que
as edições que abarcavam o enredo (Superman 423 e Action Comics 583) foram
publicadas. Era véspera do primeiro grande reboot da editora, Crise Nas
Infinitas Terras, solução ousada e arrojada para simplificar o descomunal
universo que construíra, repleto de mundos e versões alternativas de seus
principais nomes e personagens de pouca valia, que dificultava a manutenção da
coesão cronológica, a inclusão de novos leitores que se sentiam perdidos, além
de gerar confusão até mesmo nos fãs de longa data, e recomeçar a mitologia de
seus ícones com uma roupagem mais moderna.
Tendo isso em vista, Julius Schwartz,
longevo editor das revistas do Super, percebeu a oportunidade de realizar um
evento único na narrativa de um colosso do mercado de quadrinhos norte
americano - e encerrar magistralmente o seu trabalho na condução dos rumos do
herói - Escrever as últimas edições que faltavam, antes do grande advento, como
se fosse a última estória do Filho de Krypton, como se a publicação fosse ser
encerrada, uma verdadeira despedida, resolvendo todas as indefinições que a
necessidade de estimular o contínuo interesse dos apreciadores mês após mês
impede de serem resolvidas.
De início, pensou que a opção mais lógica de escritor para fazer
trabalho de tamanha envergadura fosse Jerry Siegel, e era a mais lógica mesmo,
mas o azarado criador de um dos símbolos mais conhecidos do planeta teve que declinar
do convite por razões de agenda (Sério, eu queimaria a minha agenda, daria um
foda-se a tudo e a todos e escreveria essa bagaça). Vale ler a introdução de
Paul Kupperberg, ex-editor da DC, na edição da Panini, suponho que seja a
versão mais recente, sobre a reação de Moore ao saber dos planos de Schwartz
para o seu último trabalho no cargo.
O criador de V de Vingança nessa época era
já conhecido e respeitado no meio dos quadrinhos, todavia ainda não tinha o
tamanho e o peso que viria adquirir ao lançar obras como Monstro do Pântano e
Watchmen. Mesmo assim, foi persuasivo o suficiente para conseguir a incumbência
honrosa de escrever a preciosidade.
Só pelo valor histórico, já me sentir um
sortudo. Não tinha sequer ouvido falar no conto e muito menos parado pra pensar
nessa possibilidade rara que esses recomeços proporcionam na mídia.
E mais recompensado fiquei ao ler o
resultado. A estória é boa. Ao longo das duas edições é perceptível a esfera de
tensão ampliando a cada folhear de página, o leitor sente junto com o Super que
algo trágico e inevitável irá acontecer.
Algo que acho fantástico nos quadrinhos
acontece na narrativa, o uso de um personagem secundário, desprezado e
ridicularizado, nesse caso com razão, sob uma ótica reveladora de relevo impensável
quanto a figura em questão, a ressignificação da personagem sem abrir mão
de seu passado opaco ou inglorioso. Como o que Frank Miller fizera com Ben
Urich e Karen Page na sua passagem apoteótica pelo Demolidor nos anos 80. No
escopo que abordo, a bola da vez fora o Sr. Mxyzptlk. A motivação por trás de
suas ações, o conceito ali imaginado por Moore, é sensacional. Simples e
compreensível, que implementa uma camada muito mais plausível a essa figura que
sempre soou uma anacronia injustificável no universo que Clark Kent habita.
A trama conta as ações quase simultâneas
dos principais vilões do Superman em grau de ferocidade jamais vista, destoando
das características que portavam. Conduta anômala que intriga o herói. A
situação se complica quando novo ataque virulento culmina na revelação da
identidade civil do Homem de Aço, multiplicando a ameaça sobre si e colocando
na mira de seus algozes todas as pessoas que ama. Concretiza-se, assim, o seu
pior pesadelo. Temendo ser responsável por tragédia imperdoável, ao menos em
seu juízo, resolve entrincheirar-se na Fortaleza da Solidão junto com os seus
afetos, esperando a ameaça final que, apesar de não conhecê-la, sente estar
cada vez mais próxima.
Recomendadíssimo para quem é fã e por
algum motivo não leu, especialmente se for saudoso da fase oitentista, ou para
qualquer pessoa que esteja com vontade de ler algo do Kryptoniano
indestrutível.
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