Bando de Dois (Zarabatana Books) é uma HQ nacional de
autoria do publicitário e quadrinista Danilo Beyruth (Necronauta: O Almanaque dos Mortos, Astronauta: Magnetar), trabalho que obteve financiamento do Programa de Ação Cultural do Estado de São
Paulo (ProAc) ao vencer edital de
2009. No ano posterior, recebeu várias premiações, como as de Melhor HQ
Nacional 2010 (Universo HQ, Blog dos
Quadrinhos), Melhor Lançamento 2010 (Prêmio
Angelo Agostini) e Melhor Desenhista, Roteirista e Edição Especial Nacional
(Troféu HQ Mix).
A estória narra à jornada de libertação e vingança de dois sobreviventes,
Tinhoso e Cavêra Di Boi, de um grupo de cangaceiros surpreendidos por uma
cilada promovida pela volante (grupo de policiais encarregados de perseguir e
executar os referidos marginalizados) do Tenente Honório.
Vagando pelo sertão nordestino, sem recursos e gravemente
ferido, Tinhoso se depara com uma aparição fantasmagórica, ao menos supõe que
seja uma, já que se encontra em estado de fraqueza delirante, de seus antigos
companheiros mortos clamando por libertação.
Tem-se conhecimento que o orgulhoso e implacável tenente depositou
em pequenas urnas as cabeças decapitadas de suas vítimas com o intento de
exibi-las, triunfalmente, pela cidade como prova cabal de sua incontestável
valentia.
Encontrando-se com o seu único amigo remanescente do bando, desenvolve
uma estratégia para enfrentar, sozinhos, todo o batalhão comandado pelo algoz e
recuperar as cabeças decapitadas dos antigos parceiros.
Claramente a proposta da HQ é tentar adaptar o estilo dos westerns clássicos ao universo do cangaço,
da caatinga, do sertão nordestino.
(Jogo luz que não é uma ideia inédita, houve ambição idêntica
recentemente lançada; o filme brasileiro O Matador, financiado pelo canal de Streaming
Netflix. No entanto, Beyruth tem o mérito de, como citado acima, ter elaborado
e publicado essa proposta em 2009, anos antes. Se existiu algo parecido anterior
a esse período, confesso desconhecer).
E o faz muito bem.
É inevitável, desde o princípio, sentir-se dentro de uma
produção à Sergio Leone com trilha sonora ao estilo de Era Ume Vez no Oeste (Talvez para os mais jovens a HQ evoque a
trilha de Red Dead Redemption) graças
a linguagem cinematográfica aplicada na narrativa que espelha os
enquadramentos, o estilo visual, a dinâmica das ações costumeiras em películas
do gênero; as ilustrações panorâmicas que prestam grande serviço em ambientar o
leitor nessa atmosfera e o texto enxuto que permiti que as imagens falem por si
só.
É diferente do modelo usado por muitas publicações da
atualidade que também contam em priorizar a imagem com ilustrações majestosas e
se utilizar de uma narrativa extremamente concisa (embora o termo não possa ser
aplicável a Bando de Dois porque não
é o caso de ser raso).
Estas optam por esse estilo pouco se importando se será adequado
ao tipo de estórias que contam porque obedecem a princípios mercadológicos
autoimpostos por pesquisas de mercado más direcionadas e excessivamente
simplificadas, que a fazem chegar à seguinte conclusão: a geração Youtube gosta de imagens, piadas e
textos de no máximo 280 caracteres. O resultado são fotonovelas disfarçadas de
quadrinhos com enredos da densidade de uma pata de formiga. (Mesmo que seja
fato que a geração presente tenha dificuldades com obras mais densas, tenho
convicção que uma boa estória é sempre capaz de conquistar todo e qualquer tipo
de público, afinal, caso contrário, os clássicos do meio não teriam a menor
reverberação atualmente, o que não me parece o caso).
Na obra em questão, as ilustrações magníficas, muitas de
meias páginas, e a narração pontual fazem
parte de uma estrutura narrativa idealizada, notadamente, para absorvê-las de
forma natural, saudável, para realmente se beneficiar com o uso recorrente
desses artifícios, para alcançar um propósito, valendo-se deles, que dialogue
com o enredo elaborado.
A concisão textual e o visual clean, em um primeiro instante, passa a impressão de ingênua
simploriedade, mas que logo é desfeita no folhear das páginas iniciais, que desvelam
camadas que enriquecem a trama principal.
Gostei do autor ter evitado romantizar a figura do
cangaceiro, o que estabeleceria um maniqueísmo datado, inserindo no roteiro
motivações destoantes, e questionáveis, entre a dupla de protagonistas e
deixando claro que são figuras que despertam, quase que ao mesmo tempo,
fascínio, em razão, suponho, da indumentária singular e pela vida nômade
aventuresca, e temor pela conduta de excessos escandalosos e aviltantes. É talvez
incorreto classificá-los como heróis ainda que dentro do enredo seja natural o
leitor se identificar, “comprar” a causa que defendem, por serem vítimas de uma
crueldade inominável por sujeito de modos desprezíveis.
A estória abre espaço ainda para discutir (talvez seja um
exagero: pontuar) questões como a crença no sobrenatural, a influência da
religiosidade em determinados segmentos (e os atritos gerados com os menos
crédulos) e a inércia degradante de certos tipos.
Há um aspecto que me remeteu aos Setes Samurais do Kurosawa (e por tabela, porque não? A Arte da Guerra de Sun Tzu) - e como
apreciador do filme foi uma boa surpresa. Trata-se também de um clímax que se
baseia na exploração de um ponto fixo para executar estratégias de ataques e defesas;
há até, em escala bem menor, pois senão o título perderia o sentido, o
recrutamento de um personagem de raiz gêmea para auxiliar a dupla, ou o “bando”,
na missão tida como suicida para muitos.
A arte do Danilo Beyruth é riquíssima quanto a expressões
faciais, muitas vezes contrastando com a penúria e desolação, propositais, dos
ambientes físicos, fato que potencializa essa virtude. Várias ilustrações
impactam pelos detalhes do traço que exigi contemplação pausada para captar
todos os elementos em cena. Consegue transmitir senso de realidade, a percepção
de que cada roupa, armamento, acessório tem o seu devido peso influenciando na
mobilidade, nas ações dos retratados. É ágil, eficiente em repassar ao leitor a
dinâmica correta da ação e exitosa em promover imersão no universo fictício
proposto.
Meu único porém, e correndo o risco de cometer uma injustiça,
porque não tenho conhecimentos aprofundados sobre desenho artístico, centra-se na
retratação física do proprietário do bar da minúscula Nova Nazaré.
Talvez tenha sido intenção do autor fazer uma piada com a
constituição física de determinados tipos, mas de todo modo, no meu ponto de
vista, destoou completamente do estilo empregado nas demais personagens, gerando
estranheza, desconforto. No caso em questão, algumas ilustrações pareceram-me
evocar um objeto fálico, de tão simplórias.
Concluindo: achei a
HQ ótima, muito bem ilustrada, escrita, com boas sacadas de roteiro e um enredo
consistente. Certamente uma ótima opção de quadrinho para quem deseja consumir
algo do gênero produzido no Brasil.
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