Quando se esgota as possibilidades de entretenimento audiovisual
saídas recentemente no cinema ou nos canais de streaming naturalmente nos
voltamos às produções antigas, aos clássicos. Mas são tantas opções e podem ser
tão arriscadas, uma vez que refletem o espírito da época em que foram
produzidas e por possuírem ritmo próprio, que pode ou não corresponder ao seu
gosto, que é sempre uma boa medida pesquisar a respeito e diminuir, assim, a probabilidade
de perder tempo irrecuperável.
Deixo como recomendação uma
coprodução Brasil-Reino Unido, de aproximadamente 1h: 30min, nem tão antiga
assim, 2010, vencedora do prêmio do público de melhor documentário
internacional de Sundance, do Festival de Berlim e indicado ao Oscar em 2011:
Lixo Extraordinário (Waste Land).
Ele idealiza uma exposição cujos quadros sejam desenvolvidos de
forma colaborativa, que insira os moradores da comunidade no processo de
criação fazendo-os ter contato com o universo artístico, universo que jamais
tiveram oportunidade de interação mínima devido às condições de vida precária.
Espera com isso, além de arrecadar fundos com o leilão das obras para ser
investido no bairro, transformar a vida dessas pessoas, alargando horizontes,
transmitindo conhecimento, infundindo um norte, uma perspectiva, esperança, por
meio da arte que reverencia.
Muniz é conhecido por desenvolver pinturas valendo-se de materiais
pouco usuais como restos de demolição e alimentos. Ele decide na sua nova
empreitada em usar restos do lixo do maior aterro sanitário, ao menos à época,
do mundo, localizado no referido bairro da capital fluminense. Interagindo com
os sucateiros que trabalham no local, ele seleciona alguns deles para posar de
modelos as fotos temáticas que pretende usar como base dos quadros a serem
formados com o material retirado do aterro. Também os convidam para auxiliarem
na montagem das obras seguindo recomendações prévias.
O que achei interessante desse documentário é que ele é pode ser
lido como vários pequenos documentários dentro de um. Ele pode ser considerado
tanto uma biografia do brasileiro (e foi essa a intenção inicial), um retrato
do cotidiano duríssimo dos trabalhadores em local tão insalubre e uma ode ao
poder transformador da arte, da sua importância, de seu significado, além de
abordar questões ecológicas.
Gosto de não ter tido receio de preservar o áudio da língua original
de cada nação representada (sabe-se que americano não é lá um grande entusiasta
de legendas) e também da discussão acerca da responsabilidade do papel da
equipe de documentaristas nos potenciais efeitos psicológicos causados nos
sucateiros ao voltarem ao universo desolador da qual saíram depois de terem serem
inseridos, repentinamente, noutro tão distinto.
É belíssima a metalinguagem que o projeto em si, que o método
conceitual de Muniz escancara, sem necessitar de didatismo, ao traçar o
paralelo de que se tudo tem o seu valor, inclusive lixo, o mesmo se aplica as
pessoas, independente do extrato social que habitam. Ora, isto é nítido ao
conhecê-las um pouco melhor no transcorrer do doc. São solidárias, fraternas,
esforçadas, inesperadamente, por jamais se esperar que tenham contato com
qualquer tipo de material erudito no lixão, sábias e capazes de fazer arte
inovadora.
É um documentário sobre uma história de vida que cede
generosamente espaço para se contar outras mais humildes e não menos tocantes.
É um retrato ambiental, uma manifestação artística, uma crítica social. É uma
vitória da arte, um sinal de esperança, é, acima, de tudo, humano.
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